2006-04-17

Que aconteceu de alarmante no Parlamento?

Nada. Nem alarmante nem demasiado grave.
Um número de deputados mais elevado do que o habitual, por estarem na véspera de um fim de semana prolongado e melhor poderem gozar de umas mini-férias, decidiu abandonar o plenário umas horas antes do fim da sessão, faltando às votações, provocando a falta de quórum e o adiamento por uns dias da votação de alguns diplomas.
É reprovável. Mas... mantenhemos o sentido das proporções.
O adiamento de uma semana não tem importância nenhuma. Provavelmente no caso concreto, nem de duas ou três. Quando tem importância as direcções dos grupos parlamentares tratam de garantir as presenças. Se o caso é de grande importância vão mesmo buscar o deputado ao estrangeiro ou à cama do hospital.
Os deputados têm o dever de participar nas votações mas é-lhes reconhecido o direito a 4 faltas não justificadas (com perda de vencimento) por sessão legislativa (um ano). São membros de um órgão de soberania, não funcionários públicos e não têm horário de trabalho.
Neste caso o prejuízo para o país é nulo, como passarei a explicar e a indignação do “povo” um desperdício.
Excepto em casos de liberdade de voto dado pelo partido, (matérias de consciência) ou em situações (raras) de divergência política, mesmo que pontual, o deputado vota de acordo com a direcção do Grupo Parlamentar. Geralmente concordando com o sentido do voto, outras vezes discordando e fazendo uma declaração de voto. É habitual os grupos parlamentares reunirem separadamente uma vez por semana para discutirem as orientações políticas e as matérias que vão a plenário para discussão ou votação e aí gerirem o sentido do voto.
Portanto nos casos em que não há deputados decididos a votar contra a decisão da sua bancada (a esmagadora maioria dos casos) bastaria no momento da votação lá estar um deputado representante do grupo parlamentar e votar por todos. Não defendo isso mas a realidade mostra a nenhuma importância, nestas situações, de ser o próprio deputado a carregar no botão do voto electrónico.
A questão das bancadas vazias é matéria que serve para injustificada indignação de quem não conhece o funcionamento do Parlamento. Mas serve também para exaltados exercícios de hipocrisia por quem sente maior inclinação por caudilhos do que por parlamentos e partidos ou para quem pretenda manter a política (os políticos) sob a chantagem da “opinião pública” através dos media, para que prevaleçam os poderes não escrutináveis, como o poder económico (dono da maior parte dos media!)
O deputado é avaliado (deveria ser, mas isso já é outra história) pelo seu desempenho e não pelo número de horas em que está a assistir aos debates.
Os debates são conduzidos pela direcção do grupo parlamentar que se senta na primeira fila e em relação a cada matéria específica, por mais um ou dois deputados da comissão a que pertence o assunto em debate e um ou outro “cacique” relativamente ao qual a direcção da bancada concorda em dar projecção política para a gestão da respectiva carreira política.
No plenário está a assistir ao debate quem pertence às comissões relacionadas com a matéria da ordem do dia, quem tem algum interesse ou curiosidade especial na agenda, quem se maravilhe com a retórica, frequentemente balofa ou demagógica, de muitas das intervenções que só pretendem marcar o terreno, ou conseguir uns segundos de antena nos telejornais. De resto, quem lá está, fora destes casos ou fá-lo para que o povo cá fora não pense que está a gastar mal o dinheiro dos impostos ou porque não tem mais nada para fazer.
Quem pertence a uma bancada parlamentar de 2, 10 ou mesmo 20 deputados, é um deputado feliz porque tem a oportunidade de ter uma participação muito intensa, ter muito trabalho e também muita visibilidade. Factor importante para a carreira do próprio, o que é legítimo e para a sua avaliação pelos seus pares e pelos eleitores que o vejam.
Para muitos dos membros de uma bancada de 80, 100 ou mais deputados não faltam oportunidades e meios para, se quiserem, trabalhar muito, nomeadamente nas comissões a que pertençam (e há quem pertença a duas ou três) mas as oportunidades de mostrar em plenário o seu desempenho é muito diminuta e muitas vezes não está directamente relacionada com a sua capacidade política ou trabalho realizado. Quem não pertencer à direcção do grupo parlamentar, não for presidente ou coordenador de uma comissão, não for um deputado com grande projecção política ou mediática ou um “cacique” partidário, poderá aspirar a 2 ou 3 intervenções por ano, no plenário ou se for muito diligente e tiver sorte a umas 9 ou 10. A sua permanente presença no plenário não passaria de um exercício de fastidiosa preguiça. Alguns lêem o jornal, o que pode ser mal interpretado mas representa um aproveitamento de tempo. Ou, sujeitando-se aos mesmos inconvenientes, levam o computador portátil e trabalham ali mesmo. Deputados que não tenham grandes solicitações políticas no exterior acompanham o desenrolar dos trabalhos no plenário pela televisão interna, no seu gabinete, enquanto trabalham. E para votações ou acompanhamento mais atento de alguns assuntos vão ao plenário.
Se o povinho é como é, e se os deputados devem ser o espelho da nação, não podemos exigir que sejam todos uns querubins. Agora o Parlamento é que me parece necessitar de algumas reformas.