2006-05-09

O choque primaveral

António Mendonça
amend@iseg.utl.pt
Jornal de Negócios, 8 Maio 2006

A Primavera, a estação do ano que simboliza o futuro, a esperança e o optimismo, trouxe este ano para Portugal precisamente o contrário. Depois de um período em que as coisas pareciam encaminhar-se no bom sentido, ...


Depois de um período em que as coisas pareciam encaminhar-se no bom sentido, a divulgação do relatório da OCDE e do Boletim Económico do Banco de Portugal desencadearam uma nova onda de pessimismo e de desorientação que atingiu todos os sectores da sociedade portuguesa, incluindo os mais responsáveis.
No entanto, lendo bem os dois relatórios, não se compreende a razão de tanto alvoroço. Com efeito, é difícil encontrar alguma coisa que não se conhecesse já – a economia está estagnada, as finanças públicas continuam sob pressão, as perspectivas são de que tudo continue pelo menos até 2010; e, em muitos aspectos, não deixam de passar um aval às medidas que têm sido postas em prática pelo actual governo.
Do boletim do Banco de Portugal talvez o que ressalte mais seja o facto de «ter caído na real», como dizem os nossos irmãos brasileiros, e de ter enfatizado a tendência estagnante e a dificuldade de reacção da economia portuguesa. Do relatório da OCDE, salvaguardadas as habituais reservas que se devem ter relativamente a este tipo estereotipado e distante de análises, até se pode extrair uma conclusão bastante optimista: a de que, não obstante todas as dificuldades existentes, as medidas tomadas pelo actual Governo, designadamente aquelas que se enquadram no âmbito do Plano Tecnológico, vão no bom sentido, pecando, quanto muito, pelo atraso com que foram tomadas. Melhor elogio, nas actuais condições, seria difícil de esperar.
Em síntese: não se percebe bem o dramatismo que envolveu o conhecimento público dos dois relatórios primaveris nem as reacções que se seguiram. Qualquer economista medianamente formado teria obrigação de saber que a situação económica do país, não estando propriamente à beira do abismo, está muito longe de ter encontrado um caminho sustentado de recuperação.
E é precisamente aqui que surge a questão: sendo os problemas da economia portuguesa de há muito conhecidos e discutidos, tendo-se gerado, inclusive, um largo consenso sobre as medidas de ataque que importa concretizar, tendo todos os governos, no passado mais recente, colocado como objectivo central da sua intervenção o equilíbrio das finanças públicas e a recuperação económica, por que razão é que, a cada ano que passa, parece estarmos mais longe do objectivo, vendo aumentar a distância que nos separa dos nossos principais parceiros?
Aliás, diga-se de passagem, que a este nível os dois relatórios pouco inovam limitando-se a reafirmar, cada um à sua maneira, a necessidade de controlar e reduzir a despesa pública, de flexibilizar o mercado de trabalho, de garantir o equilíbrio da segurança social, de criar um bom ambiente de negócios, de incentivar a inovação e o progresso tecnológico, de atacar a fundo o problema do ensino e da formação.
Não cabendo no âmbito dum artigo desta natureza uma análise profunda das razões do declínio actual da economia portuguesa importa, todavia, chamar a atenção para alguns aspectos que, talvez, não tenham sido até agora explorados em toda a sua dimensão e consequências.
Um primeiro aspecto prende-se com a data de origem dos problemas. É aceite agora considerar o início da estagnação da economia portuguesa por volta de 2000, ano em que se inicia igualmente o processo de divergência com a média europeia. Todavia, é importante ir um pouco mais longe na consideração deste problema.
Olhando para a evolução do produto real numa perspectiva de mais longo prazo, constata-se que 1988 representa, de uma certa forma, um pico histórico no crescimento da economia portuguesa verificando-se, a partir daí, uma tendência para as taxas de crescimento se situarem em patamares cada vez mais baixos, acompanhando, aliás, a tendência europeia.
Um segundo aspecto prende-se com o facto de a economia portuguesa não só revelar tendência, nas últimas três décadas, a ter recessões mais profundas do que as suas congéneres europeias como, também, revelar cada vez maiores dificuldades em recuperar delas.
Um terceiro aspecto tem a ver com o facto de estas tendências se manifestarem de forma particularmente acentuada a partir de 2000, expressando-se na divergência real a partir de 2002 e na recessão de 2003.
Procurando ilustrar as observações anteriores, fizemos dois exercícios simples de cálculo de taxas médias de crescimento do PIB real, considerando duas divisões particulares por períodos.
Numa primeira divisão considerámos a média de crescimento entre o ano mais baixo de cada ciclo económico e o ano imediatamente anterior a novo mínimo. Os resultados são apresentados no Quadro 1 e falam por si: as recuperações das recessões de 1993 e 2003 são menos conseguidas, sobretudo no segundo caso, que as recuperações de 1975 e de 1984.

Quadro I

Períodos1975-831984-921993-022003-052003-07
Zona euro2,42,92,41,71,8
Portugal3,64.63.00.80.9
Fonte OCDE AMECO 2006 e 2007 - previsões

Numa segunda divisão tivemos como referência os principais marcos da integração de Portugal no projecto europeu – adesão às Comunidades em 1986; adesão ao SME em 1992; participação no euro em 1999 (Quadro 2). Os resultados falam igualmente por si: depois de um período áureo de 1986 a 1991, em que a novidade da adesão e a entrada de fundos desempenharam, sem dúvida, um papel decisivo, inicia-se uma degradação progressiva do dinamismo da economia portuguesa que acompanha a par e passo as restrições progressivas à autonomia das políticas internas, introduzidas a partir de Maastricht.

Quadro II

Períodos1974-851986-9119923-981999-051999-07
Zona euro2,42,92,41,71,8
Portugal3,64.63.00.80.9

Fonte OCDE AMECO 2006 e 2007 - previsões

Mas também não deixa de ser interessante constatar que, embora de forma menos grave, a economia europeia representada na zona euro não deixa de evidenciar as mesmas tendências da economia portuguesa, sendo significativa a perda de dinamismo verificada com o início do processo de convergência nominal decidido em Maastricht e confirmada, se não mesmo acentuada, a partir do euro. Uma simples comparação com a economia americana permite observar que é partir de 1992 que se manifesta de forma persistente o processo de divergência da economia europeia face à sua congénere do outro lado do atlântico.
Trata-se, como se disse antes, de simples constatações e não de explicações sobre as razões determinantes dos problemas que afectam a economia europeia e a economia portuguesa em particular. Mas não é possível deixar de relevar a coincidência entre a quebra de dinamismo nos dois casos e a inflexão em matéria de prioridades e de objectivos económicos que acompanha o processo de introdução do euro.
É possível que as dificuldades actuais sejam o preço a pagar, no curto e no médio prazo, pela adaptação necessária às novas condições da economia global e de produção de competitividade e que no longo prazo o dinamismo retorne em todo o seu esplendor.
Mas, como disse um famoso economista hoje caído em desgraça, no longo prazo todos estamos mortos.