2007-03-16

Salário milionário durante dois anos.

Correio da Manhã 2006-12-17 [link]

O ex-presidente da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) vai receber cerca de 12 mil euros por mês, durante o máximo de dois anos, até encontrar um novo emprego.

Jorge Vasconcelos anunciou a sua demissão esta semana, em conflito com a decisão do Governo de limitar a seis por cento os aumentos da energia para os consumidores domésticos em 2007.
“Esta intervenção significa, do meu ponto de vista, o fim da regulação independente do sector eléctrico português”, afirmou Jorge Vasconcelos em comunicado.

Segundo apurou o Correio da Manhã, o salário do presidente da ERSE era de 18 mil euros mensais (vezes 14), a que acresciam ajudas de custo. Segundo o que estabelecem os estatutos do próprio regulador (que é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio), no seu artigo 29, n.º 5, “após o termo das suas funções, os membros do conselho de administração ficam impedidos, pelo período de dois anos, de desempenhar qualquer função ou prestar qualquer serviço às empresas dos sectores regulados”.

Trata-se de um compreensível “período de nojo”, que impede a existência de promiscuidades entre reguladores e regulados.

Menos compreensível é o que o referido estatuto estabelece no n.º 6 do artigo 29; durante dois anos, “a ERSE continuará a abonar os ex-membros do conselho de administração em dois terços da remuneração correspondente ao cargo, cessando esse abono a partir do momento em que estes sejam contratados ou nomeados para o desempenho, remunerado, de qualquer função ou serviço público ou privado”.

Isto significa que Jorge Vasconcelos passará a receber 12 mil euros por mês, durante dois anos, até conseguir arranjar outro emprego no sector público ou privado.
De acordo com artigo 28 dos estatutos da ERSE, os membros do conselho de administração “estão sujeitos ao estatuto do gestor público em tudo o que não resultar dos presentes estatutos”, o que afasta a aplicação das novas normas aprovadas em Conselho de Ministros no dia 19 de Outubro, onde se introduzem alterações à remuneração e às regalias auferidas pelos gestores das empresas e dos institutos públicos [diminuindo-as].

Questionado o Ministério da Economia, uma fonte oficial adiantou que o regime aplicado aos membros do conselho de administração da ERSE foi aprovado pela própria entidade que, com o estatuto de regulador é independente.

PERFIL:

Jorge Vasconcelos foi presidente da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) desde a sua criação. Licenciado em Engenharia Electrotécnica pela Universidade do Porto, com um doutoramento pela Universidade de Eriangen-Nuremberga (Alemanha), trabalhou para a AEG em Frankfurt e foi professor convidado da Universidade de Pavia (Itália).
É presidente do Conselho dos Regulardores Europeus de Energia.

O ANÚNCIO

No dia 16 de Outubro, a ERSE anuncia a sua proposta de aumento da electricidade; 15,7 por cento, e justifica este valor com a subida do preço do petróleo, a alteração legislativa relativa às energias renováveis e os sucessivos aumentos indexados à inflação que criaram um défice de 399 milhões de euros.


A RESPOSTA

No dia 18 de Outubro, o secretário de Estado Adjunto da Indústria e Inovação diz que o aumento de 15,7 por cento “é culpa dos consumidores”. Castro Guerra afirmou que o aumento só podia ser imputado “ao consumidor que esteve anos a pagar menos do que o que devia”.

A DECISÃO FINAL

No dia 15 de Dezembro, a ERSE apresentou a sua sugestão final de preços, adoptando as recomendações entretanto feitas pelo Governo. A proposta aponta para um aumento médio de seis por cento para os clientes de baixa tensão. Face a estes números, o presidente da ERSE apresentou a demissão.

PERGUNTAS & RESPOSTAS

- O que é a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos?

- A ERSE – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos é independente no exercício das respectivas funções, mas não intervém na política energética definida pelo Governo. A missão da ERSE consiste em fazer cumprir as disposições legislativas para o sector energético, o gás natural incluído através do Decreto-Lei de 12 de Abril de 2002.
- Como podem reclamar os consumidores?- Os conflitos entre os consumidores e o prestador de serviço de electricidade ou de gás natural são resolvidos pela ERSE através do Núcleo de Apoio ao Consumidor de Energia. Após receber a reclamação, a ERSE intervém através da mediação e da tentativa de conciliação das partes envolvidas. Antes, o consumidor tem de reclamar junto do prestador de serviço.
- Que é a liberalização dos mercados energéticos?- A liberalização dos mercados de electricidade e de gás natural foi decretada pelo Governo para dinamizar a concorrência e, assim, o consumidor ter benefícios. Na liberalização energética, o consumidor escolhe o prestador de serviços eléctricos ou gasistas que melhores condições oferece em termos de preços e de qualidade.
- Qual é a melhor opção tarifária de electricidade?
- A ERSE criou um simulador electrónico que permite ao consumidor calcular o valor da facturação de acordo com os dados introduzidos sobre o consumo de electricidade. Assim, é possível escolher a tarifa mais baixa. O simulador dá também informação relativa às tarifas e venda a clientes finais e aos períodos horários aplicáveis.



Jorge Vasconcelos desmente. Mas...

- JV afirmou ao CM que a sua entrada para a ERSE se deu ao abrigo dos anteriores estatutos (criados pelo decreto-lei 187/95, de 27 de Julho, que tutelou o funcionamento da ERSE no início de 1997) “que não previam nenhuma compensação para os membros do conselho de administração”. Aquele responsável acrescentou, ainda, que é o único elemento do conselho de administração nomeado ao abrigo da anterior legislação e, portanto, o único a quem não se aplica o abono definido no artigo 29 dos novos estatutos elaborados pelo decreto-lei 97/2002 de 12 de Abril.

Quer os dois vogais; Maria Margarida Corrêa de Aguiar e Vítor Manuel da Silva Santos (que será o futuro presidente) já foram escolhidos com base nos estatutos que prevêem a referida compensação durante dois anos.

O presidente demissionário adiantou ainda que concorda com a referida compensação e que foi por proposta sua que a mesma foi incluída nos novos estatutos.

TUTELA DISCORDA DO DESMENTIDO

Confrontado com o facto do presidente da ERSE não ter direito a qualquer abono, pelo facto de ter sido nomeado ao abrigo dos anteriores estatutos, fonte oficial do Ministério da Economia, afirmou ao CM “que considera estranho tal interpretação, uma vez que se assim fosse o presidente da ERSE seria discriminado em relação aos direitos que assistem aos vogais daquele organismo”.

Para a tutela o abono inscrito no artigo 29 dos novos estatutos, “sendo mais favorável ao trabalhador”, é aplicável a todos os actuais elementos do conselho de administração da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos.