2011-05-01

Angelo Sodano ex- secretário de Estado da Santa Sé

O ex-número dois do Vaticano vive seus piores dias ao aparecer como um dos responsáveis pelo encobrimento da pedofilia.
O anterior secretário de Estado da Santa Sé, Angelo Sodano, de 82 anos, que foi um dos homens mais poderosos do Vaticano com João Paulo II, passou para um segundo plano ao deixar o cargo em 2006, embora seja decano do Colégio Cardinalício, mas seu nome reaparece cada vez mais por algo nada bom.
Com ele, está surgindo a parte escura do pontificado de Wojtyla, daquele que foi o "número dois" durante 14 anos e que personificava a Cúria mais palaciana e maquinadora. Na realidade, olhando para trás, mais do que o seu currículo, surpreende a simpatia de Sodano com alguns criminosos. De Pinochet a Maciel.

A reportagem é de Íñigo Domínguez, publicada no jornal Diario Vasco, 16-05-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

A principal acusação contra o Vaticano no escândalo da pedofilia é a de ter encoberto os culpados nas últimas décadas. À medida que mais se fica sabendo, Bento XVI, então prefeito da Doutrina da Fé desde 1981, sai com uma imagem melhor, como alguém que tentou abordar de forma inflexível as denúncias, diante de outro setor da Cúria, mais poderoso, que optava por escondê-las.

Como Ratzinger disse, em 1995, amargurado, ao se ver impedido de agir no escândalo do cardeal de Viena, Hermann Groër, "venceu o outro lado". Ele confessou isso ao então cardeal Christoph Schönborn, que revelou isso para desmentir a suposta conivência de Bento XVI nos abusos. Mas Schönborn acrescentou, há uma semana, que "o outro lado" era capitaneado por Angelo Sodano, em uma disputa interna sem precedentes no Vaticano, que saiu à luz pública. Isso dá uma ideia das profundidades que a crise está removendo.

Mas a mácula mais grave de Sodano é a de ter sido o protetor do mexicano Marcial Maciel, fundador dos Legionários de Cristo, ordem ultraconservadora potencializada por Wojtyla, que, no entanto, é agora considerado pela Santa Sé como "um delinquente sem escrúpulos". Após a investigação ordenada por Bento XVI, sabe-se que ele era um pedófilo, tinha duas mulheres, três filhos, mantinha três identidades diferentes e manejava fundos milionários. Havia denúncias contra ele no Vaticano, mas, graças a Sodano, foram engavetadas.

Doações por proteção

O jornal National Catholic Reporter, prestigiosa publicação católica norte-americana, publicou uma demolidora investigação que denuncia como Maciel havia comprado sua proteção em Roma com doações a Sodano e a outros pesos pesados da velha guarda de João Paulo II, como seu secretário pessoal, Stanislao Dziwisz, atual arcebispo de Cracóvia, e o espanhol Eduardo Martínez Somalo.

O jornal assegura que Maciel pagou a Sodano 10.000 dólares por uma palestra e lhe organizou um banquete de 200 convidados pela sua nomeação como cardeal em 1991. Maciel também contratou um sobrinho de Sodano, Andrea, engenheiro, para a construção da fastuosa universidade da ordem em Roma. Outra reputada publicação, America, dos jesuítas norte-americanos, reagiu assim: "Há um cardeal cuja cabeça deve rolar: Sodano".

É um ocaso inesperado para quem mandava tanto e, por exemplo, controlava uma boa bolsa de votos no último conclave. Mas, além disso, joga sombras sobre o mandato de João Paulo II que, de fato, já estão freando sua beatificação. Sodano, piemontês de boa família democrata-cristã, com seu pai deputado, era um dos tantos italianos vivos da Cúria que cresceram lentamente em Roma.

Ele começou na carreira diplomática e foi núncio no Chile durante a ditadura de Pinochet. Tinha com ele uma amistosa relação e foi um dos artífices da polêmica visita de João Paulo II ao país em 1987. Nela, ocorreu a famosa armadilha a Wojtyla (foto), pois lhe indicaram uma porta atrás de uma cortina e ele apareceu de repente com o ditador em uma sacada, onde os fotógrafos lhe esperavam.

No entanto, alguma coisa do carácter opaco e sinuoso de Sodano deve ter agradado João Paulo II, que lhe nomeou secretário de Estado em 1991. Em 1999, Sodano ainda se lembrava de seu amigo Pinochet e interveio em sua defesa "por razões humanitárias", quando ele foi detido em Londres. "A Santa Sé está na primeira linha quando se trata de defender os direitos do homem em qualquer área", alegou Sodano.

Em 1994, um delinquente bem próximo de Sodano, seu próprio irmão, Alessandro, foi condenado por corrupção na operação italiana Mãos Limpas. E foi ainda mais gritante, em 2008, o caso de seu sobrinho Andrea, o engenheiro. Ele era sócio de Raffaello Follieri, um executivo e playboy caloteiro que se fazia passar pelo representante do Vaticano nos Estados Unidos. Era jovem, milionário, amigo de Bill Clinton, e sua namorada era a atriz Anna Hathaway, até que foi pego pelo FBI e ficou preso durante quatro anos. Tiveram uma ideia curiosa para fazer dinheiro: comprar a um bom preço as propriedades imobiliárias das dioceses norte-americanas em falência por causa do escândalo da pedofilia.

Para ler mais:

•Depois do ataque de Viena, ''Sodano deve ir embora''
•Schönborn ataca Sodano: ''Ele não quis investigar Groër''
•O choque entre duas linhas do Vaticano
•O escândalo da pedofilia e o choque entre cardeais
•Cardeal de Viena acusa Sodano de encobrir abusos e impedir investigação
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•Vaticano, em busca de uma saída estratégica, se confia a Sodano
•Os mistérios não resolvidos da era Sodano

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